Pular para o conteúdo principal

Olhos de gato

 

  Andava cabisbaixo, ia seguindo a rua naquela noite fria de Agosto. Em seus pensamento, inquietações lhe consumiam, como poderia ele um ser tão sistemático, cometer tal ato? Um momento de fraqueza e tudo tinha virado pelo avesso. Sabia muito bem que não gozava da simpatia do chefe, isto era notório, mas fazia seu serviço rotineiro, era metódico e zeloso. Sempre mantinha seu setor em ordem e não entrava em discussões acaloradas sobre temas conflitantes, e nunca entendeu por que o chefe, aquele ser asqueroso e narigudo, não lhe tinha apreço. Nas reuniões sempre pautava por ser um bom ouvinte e vez por outra admitia uma controvérsia, mas sempre mantendo a disciplina e vestindo a camisa da empresa. 

  O que tinha acontecido era algo inexplicável. O chefe lhe chamara naquele dia no escritório e sem rodeios informara que estava ele sendo desligado da empresa, que havia necessidade de cortes e o pessoal operacional estava sendo muito "sacrificado", era a vez do departamento de administrativo, também  ter cortes. E, que coisa, ele fora o "escolhido". Ficou pasmo! Paralisado! Depois recobrou o ar que lhe faltava aos pulmões e começou - pelo menos tentou - argumentar, nada adiantou, o chef e asqueroso e narigudo estava irredutível. Pensou um pouco, e depois falou com sinceridade. Falou que estava sendo marcado pelo chefe por alguma falha, que ele próprio desconhecia, pediu explicações, houve sonoro silêncio e meneio de cabeça do chefe, que baixou a caneta que estava nas mãos e pediu que ele passasse no RH. Indignado, tanto pela demissão e também pelo desaforo de não ter uma resposta ao seu questionamento; começou a vociferar palavras em alto e bom som, de agressão; estava enraivecido. Seu semblante indicava raiva, estava visivelmente irritado, suas mãos tremiam... O chefe que se mantinha do outro lado da mesa, demonstrou intranquilidade e num arroubo , levantou-se e começou a gritar com ele. Foi um discussão inflamada. Palavras ácidas, palavrões xingos, e por  fim ele conduzido para fora da empresa, mediante força policial.

  Que dia foi aquele! Ele se viu perambulando pelas ruas sem destino. O que faria agora? Como perdera o controle da situação? Ele, que já passava dos cinquenta anos, teria mais dificuldade em se enquadrar no mercado. Estava desacorçoado. 

 Seguindo assim, tentando conectar os fatos daquele dia, ia avançando nem sabe para onde. Chegar em casa, informar  a esposa e agora, como seria? Outro emprego, a filha estava adulta, mas e as viagens de, o estilo de vida confortável, tudo mais que ainda lhe ansiava e queria ofertar a esposa e filha. Andando pela calçada, entrava em ruas que nem sequer conhecia, seguia com os pensamentos a lhe perturbar. 

Pensava ele de si para consigo, que motivos teria seu chefe para escolher justo ele para fazer este " corte" no setor? Olhava para trás, carros seguiam, a a noite se aproximava e aos poucos se visualizava faróis amarelos e baixos,  que aos poucos passavam e sumiam no entorno da avenida. Parou por um momento; luzes amarelas e brilhantes piscavam, para onde iriam? Por que a pressa? Olhou a para o fim da avenida e decidiu seguir pelo entorno.

 Ao passar por uma viela, viu um gato que tentava se esconder do frio, encolhido rente ao muro de uma casa velha, de fachada entristecida e com um baixo muro de cimento, quebrado e carcomido pelo tempo. O gato o olhou como se fosse ele um predador. Por um instante fixou os olhos do gato. Amarelos, verdes, confusos, arredios, frios. O felino parecia assustado e reagia a algo, como se estivesse sendo atacado. Algumas luzes brilhavam distantes, ele ali em pé olhando a figura de um gato. Lembrou-se que não gostava de gatos. Deu as costas, e teve uma sensação de entorpecimento, fugaz, rápida; num lampejo suspirou o ar frio daquele noite.

 A cidade amanheceu, clara e ainda com vestígios do frio da noite passada. Nas ruas pessoas se apressavam para ir a algum lugar. Ruídos matutinos, um som agudo que se projetava na manhã , vinha da sirene de uma antiga fábrica lá pelos arredores da cidade; enquanto um andarilho, indiferente a rotina, olhava para o muro de uma velha casa, e a vida se movia.

 




Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Apresentação

A vida é uma grande viagem, com direito a várias paradas em estações a escolher; nem sempre podemos optar por não levar bagagens conosco, outras vezes, temos a escolha e nos quedamos frente à muitas objeções e contestações externas, sobre o que carregarmos e até onde podemos levar tudo que amealhamos em vida, sejam os laços sanguíneos, de amizade, ou coisas materiais, que nada podem agregar ao sentido pessoal da nossa viagem. Por entre vias, veredas e atalhos, vamos seguindo nesta "nave" com direito a erros e acertos, conquistas e perdas, nada é terminal, a não ser a própria finitude em si. Depositamos na vida todos nossos anseios e sonhos, e na viagem, temos muitos felicidades e também dissabores, entretanto, somos nós autores desta escrita diária que se faz com lágrimas de alegria ou tristeza, sempre imprimindo uma nova ordem a um caos interno que buscamos o tempo todo apaziguar.  Somos etéreos em espírito, somos humanos falhos e aprendizes.  Vamos seguindo ora...

Lilian

Uma coisa é fato, quando se tem alguém na família esperando bebê ou uma amiga nesta fase, a primeira pergunta que se faz é sobre o sexo da criança, e logo em seguida, a mais comum de todas, já escolheu o nome? Houve uma época, em que não se tinha muita preocupação com nomes próprios, escolhendo o básico de acordo com a cultura local, hierarquia familiar ou conceitos religiosos. Assim foi na minha família pelo lado paterno, onde os nomes seguiram uma questão alfabética e também respeitando as homenagens a antepassados. (Antonio, Alice, Alfredo e Isaura), e assim não fugindo muito ao preconizado na época para nomear os bebês. Nas gerações posteriores, na minha família, claro, houve mudanças, pois com o conhecimento de outras culturas e a leitura de livros sobre o tema e mais recentemente, a busca no site de nomes próprios, há uma mescla de nomes de origem norte-americana, francesa e até misturaram nomes com radicais indígenas, para criar algo específico para a criança ab...

Diário de bordo

   O mês de maio avança no calendário, e temos noticias daqui e do outro lado. Em terra "brasilis" perdemos o expoente do espiritismo, Divaldo Franco, partiu para o mundo espiritual num dia 13 de maio, vitima de complicações advindas de uma doença no trato urinário, e pese o fato de ser um pessoa de idade avançada, 98 anos. Divaldo semeou a fraternidade e comunhão como poucos, se dedicou mais de sete décadas ao estudo e disseminação do espiritismo, atendendo pessoas em situação de conflitos, outras com problemas físicos e psíquicos, além de marcar por onde passava com seu carisma a máxima da doutrina espirita, sem caridade não há salvação. Foi exemplar na sua conduta e postura com o ensinamento.   Tivemos outros fatos marcantes, como a eleição do substituto do Papa Francisco, agora um Papa norte americano, com  vivência na América do Sul, por mais de três décadas, mais precisamente no Peru. Robert Francis Prevost, agora é Papa Leão XIV, nome escolhido por suceder Leã...