Pular para o conteúdo principal

As cartas de ontem





Ontem à noite, insone, escrevi cartas. Cartas sem assunto determinado, cartas para ti e para mim, principalmente para mim.


A solidão é uma cela que sufoca o claustrofóbico, e esta nada tem a ver com estar sozinho, podemos estar rodeados de pessoas e nos sentirmos solitários. Então, as cartas, estas que menciono, precisei me despir de muito tabus e censuras e expor nas linhas o meu instante. Sabe aquela coisa de “instante mágico”, este, o momento em que algo se destrincha, rasga e dilacera o ser, evidenciando a necessidade de sair e confrontar o externo.

Sou uma pessoa com emoção a flor de pele, e isto incomoda bastante, pois neste mundo mecânico, digital e superficial, poucos entendem e sabem lidar com emoções, assim, o “encaramujar-se” é uma alternativa. Numa concha alimentar e realimentar emoções oriundas de sentimentos não compreendidos.

Sabe, precisava falar de mim, dos meus defeitos, erros, frustrações e falsas ilusões que, por vezes, me acompanharam numa intempestiva vivência. Foi bom expor nas linhas, nossos segredos, o meu e o seu, o nosso. Expressar sem precisar cercear os medos adjacentes de toda a nossa vida em comum, e aqui faço uma ressalva; nos conhecemos há tão pouco tempo e parece que pela sintonia já são séculos... algo que uma visão holística explica de forma mais assertiva.

Ao começar a escrever as tais cartas, me vi pesarosa e meio inibida, pois é tão traumático expor nossas deficiências e carências e deixar registrado o nosso fracasso, a nosso desalento e os nossos lamentos. Gostamos sempre de falar e passar para o outro a imagem da beleza, do bem e da justiça, mas somos seres falhos e imperfeitos, então nos escondemos sob a “casca” de fantasias, símbolos, faces diversas, e nomes fictícios. Dói expor a falta e aí que reside a grande trama do compreender, conseguir olhar ali e ver que apesar dos erros, falhas e faltas cometidas, você foi capaz de tentar e se frustrou, falhou e chorou, mas tentou...e nas linhas fui desenvolvendo esta narrativa de construção.

Cometi erros contigo, com outros e principalmente comigo, mas esta missiva não é uma carta de apelo ou suplica de redenção ou algo do gênero, é um reconhecimento daquilo que de fato existe e não pode ser escondido ou deixado num canto qualquer; as emoções e sentimentos que moldam o ser. Cada um é o que é, e eu sou desta forma, você de outra forma, Ludmila, lembra-se dela? Então ela é uma pessoa diferente de nós, e assim somos num coletivo, cada com sua singularidade agregando num mundo uma porção de vida e conhecimento.

Precisei de coragem para escrever as cartas, e tem que se possa, pois como é doloroso olhar num espelho e ver a imagem que criamos e saber que tentamos esconder do mundo, aquelas mágoas e rancores com um batom de cor vibrante e uma sombra azul no olho.

Abri meu coração e expressei o meu amor, meu querer, meus desejos, meus anseios, sem ocultar os meus “predicativos” não tão positivos, mas que são minha história, fazem parte de mim, estão na minha lauda de vida.

A escrita flui quando nos deixamos livrar de amarras e tentar coibir o que pode parecer feio a olhos de outros, mas  que é nosso, faz parte da alma e não pode ser acobertado por palavras bonitas e frases de efeito, um dia ou outro vem à tona, nossa desventura, aquela inquietação com o amor que se foi, a nossa indiferença para com o sofrer alheio, o nosso medo de ser mais atuante e aquela carência que modifica o caminho, fazendo-nos escolher o que nos pune e nos causa dor, para de uma forma ou de outra, nós mesmos, inconscientemente, nos auto sabotarmos. Há mais questões envoltas que estão registradas nas cartas de ontem, que posteriormente, estarão suscetíveis de apreciações externas.

Querido, foi um tarefa árdua e hercúlea, escrever esta, mas aqui vai um registro meu, daquilo que em noites insones me deixa pensativa e durante o dia, faz com que eu fique tentando driblar aqui e ali, com tarefas diversas  e compromissos tantos para evitar entrar em contato com a minhas carências e assim, vá de forma quase automática levando a vida, esquecendo que para vivermos bem nossos relacionamentos, temos que estar bem e neste procurar desenvolver um bem estar de modo geral, ao nosso redor e assim, tudo flui de forma mais suave e agradável, apesar de todas as agruras que se apresentam, num intercurso, ainda podemos procurar em nós esta manivela que atua no bem estar e enveredarmos para relacionamentos mais salutares e sólidos, e a escrita neste caso, seria esta válvula de escape que permite liberar emoções latentes, sentimentos rendidos e pensamentos tolhidos pela guilhotina da razão vista de modo a causar exclusão do vivificar o que não é padrão ou que é visto como ameaça ao nosso eu, socialmente criado e replicado na ética, na  mora e na cultura como um todo.

Não posso esquecer de agradecer todo carinho e dedicação que tens para comigo, e por ser este ser tão autante em momentos diversos do meu viver. Gratidão por ter conhecido você, amigo que prefere o anonimato, então aqui me refiro a ti, como meu anjo azul. 


Encerrando, aqui, deixo uma breve citação de um artista que admiro demais. Charles Chaplin

“ O verdadeiro significado das coisas é encontrado ao se dizer as mesmas coisas com outras palavras."






Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Apresentação

A vida é uma grande viagem, com direito a várias paradas em estações a escolher .Nem sempre podemos optar por não levar bagagens conosco, outras vezes, temos a escolha e nos quedamos frente à muitas objeções e contestações externas, sobre o que carregarmos e até onde podemos levar tudo que amealhamos em vida, sejam os laços sanguíneos, de amizade, ou coisas materiais, que nada podem agregar ao sentido pessoal da nossa viagem. Por entre vias, veredas e atalhos, vamos seguindo nesta "nave" com direito a erros e acertos, conquistas e perdas, nada é terminal, a não ser a própria finitude em si. Depositamos na vida todos nossos anseios e sonhos, e na viagem, temos muitos felicidades e também dissabores, entretanto, somos nós autores desta escrita diária que se faz com lágrimas de alegria ou tristeza, sempre imprimindo uma nova ordem a um caos interno que buscamos o tempo todo apaziguar.  Somos etéreos em espírito, somos humanos falhos e aprendizes.  Vamos seguindo ora...

Doce atrevimento ( Poesia nº 10)

                Na delicadeza dos toques teus sinto a leveza do amor que permeia  nessa intimidade doce e atrevida   Demoradamente me atiças na maciez dos lençóis me excita a suavidade aquece e incendeia  Atrevimento dos desejos em desalinhos   delicadezas e arroubos em uníssono fluindo    

O coelho e a raposa (Uma fábula atual)

Era uma vez um coelho, que não era branco e nem de conto de fadas. O coelho que não era branco se "amigou', se é que isso é possível no mundo animal, por uma raposinha dourada, que encontrou, por acaso, escondida na floresta. Ela, a raposinha, era pequena e ágil, mas só isso a caracterizava como tal, pois era muito medrosa e vendo o coelho que não era branco, andar por entre os arbustos, se escondeu. O coelho pressentiu que alguém o espreitava e não teve medo, foi tentando identificar pelo cheiro o que havia ali. Cheira daqui, cheira dali, o coelho que não era branco, entre galhos, amontoados,  folhas e ramos foi procurando. Até que achou encolhida, de olhos espantados,a raposinha dourada que estava numa fenda entre de uma pedra. - Ei! O que houve? Quem é você? Por que está escondida? Venha cá. A raposinha sentindo-se ameaçada tentava encontrar um meio de sair dali.  O coelho que não era branco, percebeu que a sua " amiguinha" de exploração era muito tímida ou medros...