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Dois dedos de prosa


 

Como é estranho nesses tempos de redes sociais, dispor de um tempinho para prosear!
Isolamos-nos do mundo, a partir do momento em que ganhamos o mundo, um paradoxo e tanto, que leva os mais fervorosos filósofos e sociólogos a debaterem por horas a fio o tema, claro, sempre diante de seus Pcs, notes ou smartphones, nada mais natural hoje em dia.

Digo isto, pois travei contato com uma dócil senhora, enquanto aguardava ser atendida num posto do INSS, que nos alto 76 anos bem vividos, pode me contar alguns causos de sua terra natal (Paraná), onde viveu até seus 25 anos, e trouxe muita riqueza cultural, em seus relatos.
Falou ela, que as terras de seus pais eram férteis e tinham poços de água potável, o que agora é raridade. Sua vida no sítio, rodeada de irmãos; a mãe cozinhava em fogão de lenha, e depois da refeição noturna, sentavam-se junto aos pais para ouvirem pequenos, mas assustadores casos de assombração. Pensei, comigo: Se meu filho ouvir isto não dorme a noite toda.

A comida era simples, arroz, feijão e carne que era oriunda do próprio quintal, bem como as hortaliças.
A mãe não dispunha de tanque e lavava as roupas no riacho, com sabão feito em casa, coisa que ela contando dá até um cansaço, só de imaginar.
Mas assim o era, noites ao ar livre, ouvindo histórias, durante o dia rachava-se lenha e buscava-se água no poço para os afazeres domésticos, claro, tudo isto, com esforço e sem reclamações, pois todos ajudavam. Escola tinha sim, longe, bem longe e ia até lá de carroça, usavam cavalos e tudo com muita dificuldade.

Relembrou que devido à pólio, perdeu uma irmã, e ela mesma, ao nascer foi dada como desenganada, pois era portadora do mal de Simioto, e seus pais recorreram a curandeiros diversos para livrar a filha da morte; ao falar, seus olhos marejavam, pois a dor, mesmo no passado, traz muito desconforto.

Havia os bailes na roça, as moças eram tiradas para dançar, e geralmente pelos parceiros com os quais, depois se casavam.Vida simples, sem pompa, sem glamour, mas que trazia em si a autenticidade dos contatos, aquela coisa que a gente perdeu; olho no olho, um aperto de mão e um tempo para conversar.
As festas de Natal e comemorações de aniversários eram cheias de comidas e a família toda colaborava e se empenhava em participar, o que virava uma grande festança.


A tecnologia interrompeu nossa conversa, o painel aceso chamou sua senha, e lá vai ela resoluta e adentra o quiosque para ser atendida, e eu fiquei a imaginar, quanta sabedoria e lição de vida trazia aquele ser, com seus gestos afáveis e mãos já calejadas, ainda tinha forças e tempo, para resolver sozinha, entraves burocráticos.

O tempo trouxe a modernidade, e sem ela não seria possível expor este encontro, mas uma coisa é certa, vivemos  melhor, temos acesso a médicos (nem tanto como deveríamos), dispomos de anestesia para  evitar a dor, temos vacinas para evitar doenças graves, comemos produtos congelados, e usamos de conhecimentos científicos para viver mais, se não, melhor, pelo menos, somos mais longevos, mas somos solitários, vivemos num mundo a parte, com medo, com receio de tudo e de todos. Não compartilhamos.

Ouvindo o relato desta dócil senhora, vi que o mundo ganhou muito com a tecnologia, mas perdemos muito na troca de sorrisos, na lágrima que escorre na face e no terno beijo de despedida, depois do qual ela saiu porta a fora, dobrou a esquina e sumiu em meio à multidão nesta cinzenta cidade grande.

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